Honka em Honkanak

Honkanak é uma criação longínqua do mundo de Honka, uma personagem que encarnei e por quem me deixei apaixonar.

domingo, março 19, 2006

Tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem

Não há nada mais fatal do que a rotina. E é impossível viver sem ela ainda para mais! Damos voltas e voltas à cabeça para arranjar maneira de matá-la e criar rotinas alternativas que nos desprendam do peso do tempo. Eventualmente somos apanhados na rede de circunstâncias que, muitas vezes, não nos deixam fugir do vício do dia-a-dia normal, regular, pouco excitante, pouco motivador... O que será que nos impede de sermos mais fortes a contorná-la? Se por um lado há mil e uma razões que podem servir, a verdade é que são desculpas esfarrapadas à nossa falta de iniciativa e energia. É como aqueles pesadelos que se têm em que queremos apanhar um autocarro, um comboio, seja o que for, e no sonho os pés ficam presos ao chão e sentimo-nos completamente impotentes, ou quando queremos gritar, pedir ajuda, falar e não nos sai a voz. Esses sonhos, dizem por aí, são sinais de medos escondidos no nosso subconsciente. Pior é quando esses sonhos se tornam realidade e, conscientemente, tornamo-nos impotentes também.
Ás vezes é preciso beliscar para saber se estamos a dormir ou acordados. Pois bem, que grande beliscão, doi e tudo! Sinto que fui beliscada umas vezes mas continuei a sonhar que tudo se ia resolver por si próprio. Sei, agora que me afasto para ver melhor, que há uma vontade de fazer tudo de maneira diferente, com mais ânimo, apesar de estar de momento destroçada. Atiraram-me ao chão, esfolei os joelhos, os cotovelos, abri a cabeça e parti os dentes um a um...chorei até a minha cara parecer um balão flutuante...e não tenho mais nada a fazer do que me levantar e curar o que tem a ser curado.
É altura de captar e armazenar energias para um recomeço. Hoje tudo me parece mais certo, consigo raciocinar sem misturar medos, ansiedades, saudades... Estou convencida de que a introspecção tem de ser feita individualmente, sozinhos e afastados, para que não confundamos sentimentos. Tenho o meu sentimento muito bem definido e agarro-me a ele, preciso apenas de convencer o meu coração dos assuntos da cabeça. Pensamos muito bem de coração aberto, mas pensamos ainda melhor quando o coração bate mais rápido. Vem ao de cima aquilo que a nossa cabeça tem de encaminhar, a substância que há para tomarmos determinadas decisões e atitudes. O meu coração está a bater aos soluços.
Sinto um vazio enorme, um aperto estranho que não me deixa fechar os olhos. Mas também sinto que há um cesto enorme para encher para depois voltar a partilhar. É preciso não perder o entusiasmo por nós próprios para que alguém se possa apaixonar por nós, e só apaixonados de nós próprios nos podemos apaixonar novamente pelo outro. Penso que a chama voltará a chamar por nós quando estivermos preparados a gostar tanto de nós mesmos quanto um pelo outro. Precisamos de saber se a nossa vida nos agrada, o que podemos fazer para melhorá-la e para nos sentirmos mais realizados. E nem sempre é fácil deixar de pôr a hipótese de: como seria se........e se........e se. No final daremos valor ao que verdadeiramente importa, saberemos onde está a outra metade que nos completa.
Sinto muita falta da minha outra metade...mas prometo a mim própria e a ti que primeiro vou arranjar a metade que tenho a juntar à tua, e espero que não demoremos muito a ser tão felizes como fomos quando as metades não tinham rachas do tempo. Afinal de contas, as rachas não derrubam paredes!

domingo, março 05, 2006

Sermos Nós, Sermos o Outro, Sermos o quê?
Procurar, descobrir, refutar,
Sonhar, partir e regressar...

Para quê ter medo da noite
Porquê não tentar chegar mais perto da lua
Por que não virar as costas para contemplarmos algo maior
Iluminarmo-nos no desconhecido e no vazio
Desenraizarmo-nos para voar
Emanciparmo-nos
Sermos espelhos dos reflexos que nos iluminam
Sermos maiores na nossa pequeneza
Sermos mais, Sermos a Lua, Sermos a Terra,
Sermos luz.

quinta-feira, março 02, 2006

Consciência

A consciência que te acompanha no que vais sendo é o puro registo disso que vais sendo para o poderes ler, se quiseres, depois de já ter sido. Mas no instante de seres o que és, o que és é apenas, por uma decisão anterior ao decidires. O que és é-lo onde a tua realidade profunda em profundeza obscura se realizou. O que és é-lo no absoluto de ti. A consciência testifica-nos apenas como o ser privilegiado que sabe o que é por aquilo que vai sendo e pode assim reconverter-se à posse iluminada disso que vai sendo. A consciência constata mas não interfere senão para se não ser mais o que se foi, ou mais rigorosamente, para se não querer ser o que se é - o que é ser-se ainda, embora de outra maneira.

Porque se neste instante me sobreponho, ao que sou, outra maneira de ser - a consciência que me altera o primeiro modo de ser é a paralela iluminação do modo de ser segundo. Decidi ainda antes de decidir, quando decidi não ser o que primeiramente decidira. Assim no torvelinho dos actos que me presentificam e da consciência desses actos, sempre o insondável de nós se abre para lá do que podemos sondar. Sempre a realidade de nós é a realidade original que na origens se gera. Sempre a autenticidade de nós está a uma distância infinita das razões que a justificam.


Vergílio Ferreira, in 'Invocação ao Meu Corpo'