Honka em Honkanak

Honkanak é uma criação longínqua do mundo de Honka, uma personagem que encarnei e por quem me deixei apaixonar.

domingo, dezembro 25, 2005

A Morte contou-me as histórias mais bonitas da Vida I


Escrever a história do meu percurso, dar um testemunho de vida. Porque posso não ser especial por determinação do termo comparativo com os outros, mas sou alguém. Alguém que está viva e tem algo para contar. Alguém que quer ser lembrada por outro alguém, qualquer que seja. Penso muitas vezes que talvez possam ser os meus próprios filhos. Quem sabe se os terei, o terei, a terei. Mesmo não adivinhando o futuro, construo no meu imaginário e estou certa de que gostaria que eles me conhecessem bem. Que levassem uma vida para me conhecer como eu os vou conhecer : passo a passo.
Não quero ser apenas a “adulta”, a que “sabe tudo porque é a Mãe que sabe” que diz isto e aquilo e nem sabe do que está a falar. Quero, e disto tenho a certeza (poucas são as certezas que se atravessam no nosso caminho) de que escrever aquilo que sou agora será das iniciativas mais importantes que alguma vez tive coragem a me entregar.
Não é fácil. Não estou à espera que seja fácil. Vai demorar. Nem eu quero que seja rápido, seria sinal de pouca dedicação e sacrifício. O tempo terá de ser o meu melhor amigo, embebida na minha escrita e nas palavras certas no momento que ainda agora passou. Serei eu e elas, as palavras, as horas, as memórias e as inquietações, interrogações, desvairada em linhas soltas que me levam para o incerto.
Tenho tanto para contar, tantas maneiras de o fazer que me perco em estruturas perfeitas que já passaram pelo pensamento e que ficaram suspensas à espera de serem escritas. Como se tivesse visto já todos os episódios, com todos os pormenores, de dentro, de fora, cima e baixo, e agora não soubesse descrever aquilo que vi, ouvi e senti. Preciso de rever um a um outra vez, vezes sem fim, dar vida ao que vivi.
Lembro-me de ficar orgulhosa do meu avô escrever um livro sobre a sua terra perferida, o meu também querido Alentejo. Gostava de dizer, sempre que viesse à conversa, que o meu avô tinha feito isto e aquilo, desde programas de televisão, presidente de um clube de futebol, o primeiro a aventurar-se em todo o tipo de voltas de carro, e a lista continuava, acompanhando a minha curiosidade liberta de qualquer desencanto de achar indiferente ou insignificante face a outras experiências ditas por grandiosas por todos. Os exemplos foram-se seguindo até à geração seguinte, onde estão os meus modelos directos: Pai e Mãe.
Ao contrário do que sabia do meu avô, advogado de profissão, deputado (isso soube mais tarde quando tinha idade para perceber sequer o que isso significa, porque ser advogado eu sabia que era parecido com ser médico), nunca soube ao certo o que os meus pais faziam. Cresci a pensar que avós e pais não se misturavam, eram seres diferentes: uns velhos e que tinham feito muitas coisas, outros mais velhos que eu mas que não tinham nada de muito com que se preocuparem senão comigo e com os meus irmãos, e possivelmente fazer o jantar. Assim escrevia eu para um dos jornais que criávamos no colégio, ao lado de um desenho que hoje teria grande probabilidade de se igualar a grandes obras de estilo “naive”, e mesmo superar o conceito artístico!
Fora eu pensar que o mundo dos grandes não era só o que eu criara para eles. Os meus pais e avós viviam no mesmo mundo, com mesmas preocupações, ligeiras diferenças, mas definitivamente no mundo bem maior, o mundo. Não sabia o que era o mundo, e isso faz com que esta palavra seja perfeita para explicar aquilo que eu desconhecia ainda. Tudo o que fizesse parte do que hoje chamamos “ a vida” ou “do mundo” pertencia àquelas palavras que eu aprendi a dizer. Dizia mas não as sabia usar.
As palavras perderam leveza quando começei a usá-las. Gasto palavras hoje como nunca, uso, abuso delas. Sabe bem voltar ao dias de antes e brincar com as minhas velhas amigas. Muitas vezes digo disparates, invento o que não existe, escrevo o ridículo, sigo instruções erradas, caso contrário como poderíamos brincar como antigamente? Sei que elas tiveram de crescer comigo, amadureceram, só não podem aparecer quando querem, onde querem. Estão presas comigo à espera de sair apenas no momento certo, embora não seja raro que espreitem antes de tempo porque somos ambas curiosas. Quando menos esperam, záss, um impulso e estão cá fora, desprotegidas, atrás de mim para mais um jogo de apanhada, onde quem toca fica. Somos grandes amigas e sabemos disso, mesmo quando não nos falamos temos grandes conversas.
Estou disposta a aceitar este desafio e explorar para quem lê estas linhas, e para mim própria, superando o que sei de mim e tudo aquilo que alguma vez quis ser.
Por incrível que pareça, é nos dias em que se fala de Morte que se desperta mais uma vez para a Vida. Todos os dias é um novo hoje, haverá um novo amanhã, e tantos dias são desperdiçados e menosprezados.
O amanhã é incerto e vale o infinito do imaginável, e o hoje já passou. Vale a pena dar valor a cada dia que passou, relembrá-lo, revivê-lo e aprender a viver o dia seguinte como se fosse o último amanhã. Todos os dias o último amanhã. Só assim a Morte contará as melhores histórias da minha vida a cores e ao vivo, sem o peso do preto e branco que a persegue mal ouvimos falar do seu nome. Longe te quero, mas estás presente porque sem ti não sei viver, viver sempre mais do que vivo.